Veja a carta na íntegra aqui
Oi, sou Gresiela, uma vencedora.
Você deve estar pensando porque “vencedora”, né?
Deixa eu te contar: No final de Abril de 2017, em um exame de rotina (ultrassonografia das mamas), a médica me assustou dizendo que tinha aparecido algo que não estava ali há 7 meses. Esse apelo me encheu de medo, dúvidas e incertezas, ao procurar um mastologista percebi que o pesadelo estava apenas começando. Fiz a biópsia, para mim doeu muito (a dor é relativa e varia de pessoa para pessoa). E, enfim o diagnóstico foi confirmado e a partir daquele momento me sentia com estivesse em uma areia movediça. Pareceu-me uma sentença de morte, quando o médico me disse com tristeza no olhar, mas firme: – É, infelizmente, você está com câncer!!!
Sabe aqueles desenhos animados que aparece um buraco negro e podemos entrar nele. É assim que me senti queria entrar num buraco e não sair mais de lá. Sai do consultório perdida, pensando muitas coisas, geralmente ruins, e escolhi um caminho não muito legal, mas bem acessível, fui “pesquisar no Dr. Google” para saber o que realmente me esperava. E imagina o que encontrei? Problemas, dificuldades, caminhos e tratamentos ineficazes, enfim a “morte”. Por que será que o ser humano prefere ver tragédias do que casos de sucessos? Não sei, mas isso me deixou mais triste e desesperada a ponto de não conseguir entrar nos consultórios, a ponto de não querer ouvir o que os médicos tinham para me dizer. Me via num filme mudo, onde todos olhavam para mim e gesticulavam, mas eu não ouvia.
Morte!!! Todos sabemos que este é o nosso fim, um dia ela chega, mas não pensamos nela e não vivemos como se estivéssemos numa contagem regressiva mais perto do fim a cada dia. Isso é natural, mas diante da finitude da vida e da incapacidade de mudar isso, nos chocamos! Quando deveríamos viver “como se não houvesse amanhã, por que se você parar para pensar na verdade não há” (Legião Urbana, Pais e Filhos, 1992).
Encarar a doença é ao mesmo tempo assustador e libertador, é preciso enfrentar algo que você não sabe como é, nem como vai se comportar, se o seu corpo vai te ajudar ou não, Ah!! A cabeça? Essa vive te dando pedaladas, ora de ajuda, ora não. E libertador, pois a cada dia é a chance que temos de recomeçar, é a certeza que o ontem foi vencido.
Para quem tem filhos, a simples presença deles é motivo de choro e angústia, principalmente se são crianças. Os pensamentos de que vão ficar sozinhos te assombram sempre. O que me restava então …. Rezar a Deus para que tudo que os ensinei tenha sido bom e eficaz, rezar pelo futuro deles, simplesmente REZAR…
O meu tratamento foi cirurgia com reconstrução mamária, quimioterapia e radioterapia. Lembro que cada caso é um caso, assim o tratamento varia dependendo do tipo de câncer, dos exames, do médico, do tempo, e outros fatores que são particular e individual. Não compare seu tratamento com outro.
Vários foram os momentos de tormento. E as cirurgias, sim foram 3! Foi um momento difícil, principalmente porque tive que fazer o esvaziamento axilar. A sensação era que não ia acabar mais. Quando chegava no consultório e o médico dizia que era preciso fazer nova cirurgia. Nossa!!! Isso me acabava, chegava em casa e chorava, chorava muito, às vezes a noite toda. Mas, eu tinha meu marido, um companheiro que esteve, está e estará ao lado “até que a morte nos separe”, conforme prometido no casamento. Ele me dizia: “- Hoje você pode chorar, pois sei do tamanho do baque, mas amanhã tudo isso já passou!”. Ele sai do quarto e me deixava naquele silêncio, sozinha. Isso mesmo! O que precisamos nestes momentos é ficar sozinha, para pensar na nossa vida, pensar no tratamento, pensar na doença, avaliar o que fizemos e o que vamos fazer, organizar a vida. Já que ela nos parou, ou ao menos, fez diminuir o ritmo e olhar para dentro de si.
As quimioterapias, nossa que medo, quanta informação chocante temos sobre ela, mas vou contar o que senti, muita náuseas, muito sono em alguns dias, em outros dias acordados com a cabeça “pipocando ideias que não se concatenavam”. Caíram os cabelos na 1ª sessão, não doeu, apenas senti na semana que tomei, focos de calor em diferentes lugares da cabeça, e depois os cabelos ficaram opacos, sem vida e iam caindo sozinhos como folhas secas da árvore. Então, restou-me raspar. Não foi tão difícil, mas não queria me olhar no espelho, e percebi que minha família também não me olhava. Demorou um tempo para que tudo ficasse “normal”.
Entre os vários efeitos que a quimioterapia tem geralmente focam na queda do cabelo, mas quero relatar coisas que aconteceram comigo e que doeram muito, seja fisicamente ou emocionalmente:
Os dedos, todos! Ficaram super sensíveis que não conseguia desligar o celular ou digitar algo no teclado do computador. As unhas ficaram fofas, frágeis, e sensíveis, quase caíram. Então nada de manicure, esmalte ou acetona, unhas no natural.
O corpo. Inteiro doía muito, não havia posição na cama, a sensação de ter apanhado muito ou feito atividade física no dia anterior. Era um cansaço intenso. Até o abraço dos que amamos doia. Momentos sem toque, apenas olhares e vozes de carinho.
O coração. A sensação que tive foi que meu sangue ficou grosso, gelatinoso, e o coração fazia muito esforço para bombeá-lo. Olha de prestar atenção para corpo, o que estava acontecendo, o que doia, o que estava gritando.
A cabeça. Uma confusão de pensamento, de ideias, e nada ficava concluso, incapacidade de organizar os pensamentos, elaborar uma pergunta, concentrar numa leitura, ou num filme, dificuldade em compreender ou acompanhar o raciocionio de alguém. Escrever um texto era muito complicado, resolver um exercício de matemática era tenso. Lembrar dos compromissos e recados ficou mais complicado. Enfim, ainda bem que temos celulares com despertador, gravador de voz e outros mecanismos que nos auxiliam. Hora de compreender que você depende de algo ou alguém.
Sexo. O desejo sexual diminui consideravelmente, aqui vem a importância das caricias e do conhecimento do casal. Não querer ou não fazer sexo, não é falta de amor! É apenas um momento de espera e de encontrar outra forma de demonstrar esse amor conjugal. Eu não mestruei desde que 1ª quimioterapia, ou seja, menopausa química e todos os desconfortos da menopausa – fogaços, desânimos, irritabilidade e outros.
Olhos. Logo ficou embaçado, como um óculos sujos nas bordas, perdi a noção de distância, então parei de dirigir, para não provocar acidentes. Só saia acompanhada, pois até para atravessar a rua, não percebia o quanto o carro estava perto ou longe. Diminui o tempo de ler e de estudo, não conseguia ver direito e nem compreendia o que estava lendo. Nem o óculos ajudou, e como já disse é só um momento, então esperei. Já que insistir em ler só me causava mais angústia e a sensação de incapacidade.
Boca. Fica extremamente sensível, então se fere com frequência e sagra com facilidade, é preciso um cuidado mais especial ainda com a escovação, higiene e uso de fluor. Mas, o pior é ficar sem paladar, perdi o paladar na 2ª quimioterapia, não identificava o sabor salgado ou doce, azedo ou ácido, depois de um tempo nem o frio ou quente. Nisto minha família me ajudou muito, eles eram meus provadores, então eles se serviam antes e me dizia como estava a comida, se estava faltando ou não sal, se tinha pimenta, se estava quente esfriava e se estava gelado me avisava. Foram cerca de 7 meses assim. Mas passa, graças a Deus!
A radioterapia não doeu, não incomodou, foi rápida, mas gera algumas consequências. Os fogaços aumentaram muito, não pude ficar no sol, a pele escureceu e ficou como couro de galinha cheia de poros, eles meio que inflamam sabe? Como foi feito também na axila esquerda, tive retração dos movimentos do braços, então foi preciso fazer fisioterapia depois. Fiz 25 sessões e terminei no dia 01/06/2018.
Um ano, 1 mês e 8 dias de tratamento: este foi o tempo que durou o meu tratamento, e acredito que ele foi exitoso pois:
1. Descobri no inicio, fazendo exames de rotina. Não percebemos, eu e ginecologista com o exame de toque.
2. Fui atendida por uma equipe multidisciplinar: mastologista, oncologista, cirurgiã plástica, psicologa, dermatologista, geneticista, nutricionista, físico, técnicos de radiologia, enfermeiros, dentista e outros profissionais. Todos muito capacitados e felizes em trabalhar em um ambiente em que a dor e o sofrimento é frequente. Consciente de que podem fazer algo para amenizar. Obrigada a todos vocês, não me canso de agradecer.
3. Atendimento rápido e pontual. Cada coisa que acontecia comigo imediatamente eu comunicava os médicos, tirava foto e prontamente recebia resposta. Não deixe para depois, não ache que pode ser nada, em casos de doença tudo é urgente.
4. Obedecer as restrições médicas. Tudo o que os médicos orientava, eu fazia com zelo, cuidado e obediência, afinal eles estudaram para isso, e é uma relação de confiança que estabelecemos. Se não confia, mude de médico. O tratamento já é penoso, não sofra com um médico que não te compreende ou que você não está satisfeita.
5. Família. Minha família este sempre comigo, dando força, apoio, sendo meu sustento em todos os aspectos. Por vezes, eu pegava eles chorando, ai … chorávamos juntos. Minha filha leu o livro infantil “minha mãe está careca” e este ajudou muito, já que os três, após leitura compreenderam muitas de minhas ações e os passos, estavam todos descritos ali. Quanta sensibilidade da autora! Fica a dica.
6. Amigos. A presença deles em minha casa, foi fundamental para me sentir segura, amada e feliz. Este foram a certeza de que não estava sozinha.
7. Atividade Física. Mesmo por vezes estando limitada, uma simples caminhada em volta da praça (que era algo que conseguia fazer, em alguns dias) foi importante.
8. MT Mamma, associação que auxilia e apoia pessoas com câncer de mama, foi indispensável para que eu pudesse ver que o sofrimento é grande, mas não sou única e que fica mais fácil quando compartilhado com outras pessoas.
9. Alimentação saudavel e natural.
Sinal Verde – tudo que a natureza produz, consuma sem restrição.
Sinal Amarelo – tudo o que homem produz, consuma com moderação.
Sinal vermelho – tudo que a industria produz, não consuma.
Foi essa a minha restrição alimentar e agora o meu lema para alimentação de nossa casa.
10. Trabalhar. Mesmo não conseguindo fazer muita coisa, buscava trabalhar que possível, seja o trabalho manual ou intelectual, por isso, não parei com o doutorado e participava das aulas sempre que possível. Não quero dizer que a licença médica para tratamento é dispensável, pelo contrário. Isso é um direito e precisamos dele SIM, até mesmo pela tranquilidade de poder dormir quando estiver sonolento, comer quando tiver vontade, fazer o que é possível.
11. Fé. Neste tempo não deixei de ir a igreja, participar das reuniões comunitárias e ações cristãs que a comunidade propunha, estar com eles me fazia bem. Estar na presença de Cristo era reconfortante, rezar para Maria era receber colo de mãe. Independente da crença, ter fé é ter esperança quando você e ninguém pode fazer mais nada. E em muitos momentos foi a fé que me manteve em pé, pois eu só tinha ela.
O que digo para vocês depois deste relato. Por favor mulheres se toquem!!! Façam exames regularmente, não deixem para depois, se cuidem. Coloquem você como prioridade na sua vida. Homem, peçam para as mulheres de sua vida a fazerem o autoexame, levem-as no médicos, cuidem delas. E também se toquem, afinal o cancer de mama não é uma exclusividade feminina. Façam exames também.
Parece crichê, mas a vida tem outro sentido, olhar para mim e me ver incapaz de fazer um monte de coisa, me faz pensar a importância de fazer tudo e qualquer coisa, desse modo, me sinto mais livre, mais seletiva, e só faço aquilo que realmente é importante e me faz bem. Pois, me maltratar novamente, como inconscientemente fazia, não faz o menor sentido, as reações e sequelas do tratamento já maltrataram o suficiente, ninguém mais pode fazer isso, nem mesmo eu.
Agora milito para todos tenham conhecimentos, testemunho esta vitória, alerto sobre os riscos e sequelas, e vivo cada dia melhor que o dia anterior.
Gresiela Ramos de Carvalho Souza
Filha de Milton de Carvalho e Argemira Ramos Pereira
Esposa de Silvio Paiva de Souza
Mãe de Rhuar, Jenely e Aryandra
Funcionária Pública – Professora de Matemática da Rede Estadual de Ensino
Doutoranda em Educação Matemática pela UFMS